sexta-feira, 4 de julho de 2008

8 PRÉ-ESCOLA . NOVA ESCOLA EDUCAÇÃO INFANTIL
entrevista UM PAPO SÉRIO SOBRE PRÉ-ESCOLA
TV é boa ou má? Poucas pessoas
são capazes de explicar tão bem
o fascínio que ela exerce sobre as crianças
de 4 e 5 anos quanto Regina de
Assis, presidente da Multirio, a produtora
de mídias da Secretaria Municipal
de Educação do Rio de Janeiro.
Segundo a mestra e doutora em Educação,
só entre 3 e 6 anos (quando os
pequenos estão constituindo o conhecimento
acerca de si próprios) a televisão
pode ser considerada inimiga.
“Nessa fase, tudo é determinante
na definição
de papéis. E alguns
desenhos animados são
extremamente violentos”,
diz. Consumo, sensação
de autonomia e abuso
de liberdade também são
ingredientes negativos de alguns
programas. Mas há luz no fim do túnel.
Na entrevista a seguir, Regina sugere
o que ver na TV aberta e a cabo.
A
“Assistir desenho
animado na TV...
Regina
de Assis
FOTO: RENATA XAVIER
Por que as crianças amam televisão?
Regina de Assis Porque ela é lúdica.
A criança suspende facilmente a relação
com a realidade. Todo o tempo
ela mescla fantasia e imaginação com
o mundo real. Pesquisas mostram que
é insuportável para ela viver o tempo
todo ligada à dura realidade das coisas.
E isso vale também para nós, adultos,
o que explica por que gostamos
de ver a novela ou ler um romance.
Mas a criança gosta de ver televisão
porque tem necessidade de brincar.
O que a televisão pode acrescentar
na faixa dos 4 aos 6 anos de idade?
Regina Aqui, no Brasil, os bebês vêem
TV no colo da mãe. Mas só a partir
dos 3 anos as crianças começam a
aproveitá-la de forma interessante. Até
os 6 anos, meninos e meninas estão
constituindo um conhecimento acerca
de si próprios: a identidade de gênero
e étnica. Nessa faixa etária, a TV
é importante como um elemento de
constituição de identidade. Também
é crucial para a percepção de como se
dão as relações sociais, as relações com
outras crianças, os adultos e o mun-
...pode ser perigoso para as
crianças porque a maioria deles
distorce conceitos e abusa da
violência”, diz a educadora
Regina de Assis
ARACI QUEIRÓZ
NOVA ESCOLA EDUCAÇÃO INFANTIL . PRÉ-ESCOLA 9
do em geral. É nesse momento que a
elas começam a entender que a vida é
pautada por códigos.
E que mensagens os programas
passam para as crianças?
Regina Infelizmente, a maioria deles
distorce conceitos. Em primeiro lugar,
porque abusa da violência. Muitos
desenhos animados são extremamente
violentos. Na 4ª Cúpula Mundial
de Mídia para Crianças e Adolescentes,
realizada em 2004, no Rio, os adolescentes
fizeram uma carta pedindo
que nós, adultos, resolvêssemos os
conflitos de violência sem usar mais
violência. Percebemos que, do ponto
de vista deles, o melhor são
as soluções criativas.
Se as crianças gostam de
fantasia, por que ficam vidradas
em programas violentos?
Regina Porque eles abordam
outras questões que as interessam.
As crianças adoram Power
Rangers porque a maioria
dos heróis é masculina e, nessa idade,
o pai ganha importância na vida
delas. Outro atrativo é a luta entre o
bem e o mal. A criança precisa de histórias
que falem disso. O problema é
que o fio condutor é sempre a violência.
O desenho não apresenta outra
alternativa para lidar com conflitos.
O que mais a senhora critica na
programação infantil?
Regina A tendência a ridicularizar os
adultos, como vemos em A Vaca e o
Frango e As Meninas Superpoderosas.
As meninas não são apenas poderosas,
são superpoderosas. Isso as
coloca num patamar irreal de autonomia,
numa posição de abuso de liberdade.
Esses programas rejeitam um
aspecto natural da vida, que é o tempo
de amadurecimento para chegar à
juventude, à idade adulta e à velhice.
Além disso, a programação infantil
apela desvairadamente para o consu-
Existem bons programas infantis
na TV brasileira?
Regina Na TV aberta, o Sítio do Picapau
Amarelo, da Globo, e Castelo Rá-
Tim-Bum e Cocoricó, da Cultura. No
cabo há mais alternativas. O canal Discovery
Kids exibe O Divertido Mundo
de Peep, que lida com a questão da
diversidade e conta a história de um
quarteto de bichinhos que vive aventuras
em várias partes do mundo. Outro
bom desenho, do Nickelodeon, é
As Pistas de Blue, uma narrativa muito
singela de uma cadelinha azul em
que um rapaz dialoga com o telespectador,
fazendo perguntas estratégicas
para que a criança se envolva e converse
com a televisão.
Como usar a mídia como uma
ferramenta pedagógica?
Regina Explorando o aspecto
lúdico nas práticas pedagógicas,
mas não substituindo a experiência
real pela virtual. Um
recurso comum (e eficiente) é
apresentar um filme, depois contar
a mesma história num livro, convidar
à reescrita e trabalhar com recortes
e colagens. Assim, a criança adquire
a experiência concreta. Entre 4
e 5 anos, ela tem especial curiosidade
sobre a natureza. Quer descobrir como
o pintinho sai do ovo, como o bebê
sai da barriga da mãe, como entrou
lá. Por que não mostrar isso com documentários?
Não é só cineminha na
sala de aula, mas uma oportunidade
de passar aspectos científicos desse conhecimento,
com imagens em movimento.
É importante lembrar que a
concentração nessa fase é de, no máximo,
15 minutos.
QUER SABER MAIS ?
INTERNET
No site da Secretaria Municipal de Educação do
Rio, você encontra os trabalhos desenvolvidos
pela equipe de Regina de Assis. Acesse www.multirio.
rj.gov.br
mo. Não trata a criança como um cidadão
em processo de desenvolvimento,
mas como um consumidor atuante.
Pesquisas mostram que as crianças
são mesmo as melhores compradoras:
não só de brinquedos, mas também
de comida, de eletrodomésticos,
até de carros. Elas exigem que os pais
comprem. Nos países da Escandinávia,
na Inglaterra, na Alemanha e no
Japão, os comerciais são totalmente
proibidos no horário infantil. No Brasil,
infelizmente, ainda não há uma
regulamentação sobre isso. Nem sequer
uma classificação indicativa que
oriente os pais sobre o que é apropriado
para cada faixa etária.
As crianças também vêem muita
programação adulta...
Regina Em 2005, uma pesquisa do
Ibope apontou o que as crianças mais
gostavam de fazer nas férias. Não era
brincar na rua, jogar futebol ou ir à
praia. A diversão predileta era ver
Senhora do Destino e Zorra Total.
Ora, o que esses programas agregam
a crianças que estão definindo sua
identidade? Nada. Ao contrário, eles
têm um impacto negativo enorme.
Banalizam o consumo, a sexualidade,
a violência e os relacionamentos
familiares e sociais.
‘‘No Japão
e na Europa, os
comerciais são
proibidos no horário
infantil. No Brasil,
infelizmente não há
regulamentação
sobre isso’’
EXCLUSIVO ON-LINE
Ouça um podcast com a educadora Regina de
Assis em www.novaescola.org.br

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